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O texto foi escrito a partir de projeto de estudo público sobre o

tema África- Brasil e aborta livremente o mito de Édipo Rei

Um aglomerado de pessoas forma a fila que dá acesso à entrada do teatro. Engatam uma conversa trivial enquanto caminham juntas para ocupar seus lugares nas cadeiras dispostas em formato oval, lembrando o convés de um navio. Terceiro sinal e nada acontece. Algumas reclamam, querem sair, depois percebem que as portas do teatro estão trancadas. Um homem passa mal e, num instante, caiu duro no chão. A mulher ao lado pede ajuda. O clima de desconforto se instaura. Nesta  atmosfera começa A Travessia da Calunga Grande, espetáculo inédito da Cia Livre, que estreou dia 8 de março, quinta-feira, às 20h30, no Galpão do SESC Pompeia.

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Com dramaturgia de Gabriela Amaral Almeida, em processo colaborativo com a Cia Livre e direção artística de Cibele Forjaz, o espetáculo – que tem patrocínio da Petrobras e é contemplado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, assim como o projeto de pesquisa – traz no elenco os atores Lúcia Romano, Tatih Ribeiro, Edgar Castro, Eduardo Silva, Raoni Garcia e Sidney Santiago e os músicos Lincoln Antonio e Beth Beli.

Depois de quatro anos de pesquisa sobre mitos ameríndios (povos indígenas das Américas), que deram origem aos espetáculos Vem-Vai – O Caminho dos Mortos e Raptada pelo Raio, agora a Cia Livre dirige seu olhar para a relação entre África e Brasil.

África e Brasil já resultam em um rico conteúdo histórico social e artístico, mas a trupe de Cibele Forjaz foi além e, para tal investigação, aprofundou sua pesquisa em uma geografia ainda mais distante,  com a obra Édipo Rei, de Sófocles, para, só então, criar a dramaturgia do espetáculo. “Construí o texto a partir do cruzamento do nosso estudo com a história de Édipo para traçar um paralelo com o problema da identidade cultural”, explica a dramaturga Gabriela Amaral Almeida.

“Partindo desse mito, propomos articular as ambiguidades da mestiçagem do nosso povo, onde permanece a marca de origem da escravidão e as relações econômicas e sociais baseadas na desigualdade”, completa Cibele Forjaz.

Homens ao mar

O teatro transforma-se em um navio negreiro e a trama da peça refaz a travessia da Calunga Grande, mar e morte, em língua Bantu. O navio, em eterno trânsito entre o Brasil e a África à cata de escravos, alude à perpetuação dos crimes da escravidão e seus ecos na nossa sociedade, aqui e agora: “O Brasil ainda cabe num navio negreiro”, reflete a dramaturga.

  

Na cabine de controle do País Itinerante Fortuna Tropical, os três representantes da superestrutura naval (Cientista, Diplomata e Assassino) comandam a tripulação. Após uma grande tempestade, a água entra na casa de máquinas quebrando uma peça importante do motor. Um sobrevivente consegue consertar a peça em troca de privilégios. Ele ganha nova identidade, Tanto Faz McCarty, e conquista o posto de capitão.

 

No primeiro movimento da peça, o Capitão Tanto Faz McCarty refaz em cena todo o percurso do comércio atlântico, do embarque de prisioneiros na África ao mercado de escravos no Brasil. “Em sua desmedida, trai a cabine de controle, é morto e sangrado. Seu sangue envenenado é responsável por uma peste que se abate sobre a tripulação”, conta Cibele.

No segundo movimento, acompanhamos a ascensão de Nora, que emerge do porão e “salva” a tripulação da peste. Astuta, chama atenção da cabine de controle e assume o lugar vago, deixado pelo Capitão. “Nora se tornará uma espécie de “mãe” para a tripulação. No entanto, sua sede de poder também a levará a atitudes extremas de dominação”, detalha a diretora.

“À medida que estes dois protagonistas se afastam de suas origens, a tripulação do barco ganha força, constituindo um coro de resistência que dificulta o funcionamento dessa estrutura de poder viciada”, explica a diretora. “As crises deflagradas pela resistência do coro do porão levam Nora e Tanto Faz McCarty a se confrontarem com a sua maior fraqueza: o esquecimento de suas raízes”,  continua Cibele.

A diretora faz uma analogia com o sistema político: “O Capitão é um feitor de escravos que desconhece sua origem mestiça. Já Nora, reflete os ecos da República, onde a população é livre, mas desigual. Afinal, somos uma democracia sem igualdade social.”

 

No final, todos são chamados a identificar o corpo de um cadáver insepulto, encontrado no porão do navio. Mas, afinal, quem é esse cadáver? E quem matou? Um velho cego e vidente é chamado para resolver o mistério. A partir de suas revelações, é refeita a conexão entre um crime de origem e o presente. “O fim, claro, é um mistério, como toda história de investigação. Teremos uma surpresa na hora da revelação final”, provoca Cibele Forjaz.

Trilogia dos mitos e mortes

Desde 2006, a Cia Livre tem se dedicado à pesquisa sobre mitos, morte e renascimento na cultura brasileira, em parceria com o antropólogo Pedro Cesarino e com o historiador Rodrigo Bonciani.

Por se tratar de um tema vasto, o grupo logo percebeu que o projeto não caberia apenas em um espetáculo, então, dividiram em três partes. Uma pesquisa sobre os povos ameríndios resultou nos espetáculos Vem Vai, O Caminho dos Mortos (2007) e Raptada pelo Raio (2009). A Travessia da Calunga Grande é, portanto, o terceiro espetáculo dessa pesquisa e fecha a trilogia sobre os mitos de mortes. “Nossos estudos levantam como cada cultura lida com a morte e a partir dela como gera a compreensão da vida”, explica Cibele.

A Cia Livre aprofundou a pesquisa sobre formação do povo brasileiro. “Deparamo-nos com dois temas fundamentais: a escravidão e o problema da identidade brasileira, uma identidade mestiça, complexa, formada não de unidade, mas de diferenças e marcada por rupturas, violências, apagamentos, sobreposições e sincretismos”, explica o pesquisador Pedro Cesarino. “Não dá para falar sobre a gênese africana no Brasil sem levar em conta que existiu um processo de violência extrema, que muitas vezes tentamos apagar ou esquecer. Nossa sociedade se formou a partir de um sistema escravocrata e suas marcas estão presentes até hoje. É necessário ter consciência para mudar”, completa Cibele.

  

Enquanto os atores cantam e dançam em direção à saída da sala, uma espécie de lavagem, com água de cheiro, toma o espaço cênico. A plateia – que participa do coro – leva para casa sementes de vários tipos de árvores, simbolizando o renascimento.

 

(Adriana Balsanelli – fevereiro de 2012)

 

Sobre a Cia Livre

A Cia. Livre formou-se em 2000, com os espetáculos “Toda Nudez Será Castigada” e “Os 7 Gatinhos”, de Nelson Rodrigues. Trabalha com temas ligados à brasilidade e à formação cultural brasileira desde 2004, quando ocupou o Teatro de Arena de São Paulo, com os projetos Arena Conta Arena 50 Anos Arena Conta Danton (Prêmio Mambembe/2004 e Prêmio Shell Especial/2004). Em 2006, com o projeto de pesquisa Mitos de Morte e Renascimento: Povos Ameríndios montou os espetáculos Vem Vai – O Caminho dos Mortos (2007/2009), com dramaturgia de Newton Moreno (Prêmio Shell de direção e atriz); eRaptada Pelo Raio (2009/2010), com dramaturgia de Pedro Cesarino.

Para roteiro:

A Travessia da Calunga Grande – Estreou dia 8 de março, quinta-feira, às 20h30, no Galpão do SESC Pompeia.  Dramaturgia – Gabriela Amaral Almeida em parceria com a Cia.Livre.  Direção – Cibele Forjaz. Elenco – Lúcia Romano, Tatih Ribeiro, Edgar Castro, Eduardo Silva, Raoni Garcia, Sidney Santiago. Músicos – Lincoln Antonio/Ana Rodrigues. Direção de ArteCenografia e Figurino – Simone Mina.Iluminação – Alessandra Domingues. Direção Musical e Música Original – Lincoln Antonio. Direção de Ritmo – Beth Beli. Preparadora vocal – Lúcia Gayotto. Preparadora Corporal – Lu Favoreto.Operação de luz – Felipe Boquimpani. Operador de som: Pedro Vince. Contra-regra – Elizete Jeremias. Cenotécnico – Wanderley Wagner da Silva. Assistente de direção – Luaa Gabanini. Assessoria de imprensa – Arteplural. Assistente de produção – Daniel Cordova. Produção Executiva: Eder Lopes. Direção de produção – Eneida de Souza. Criação e realização – Cia.Livre. Duração – 2h30 minutos.

SESC Pompeia – Rua Clélia 93 – Galpão. Não recomendado para menores de 14 anos. Temporada – 8 de março a 29 de abril (com exceção de 06 de abril – Feriado de Paixão de Cristo). Quinta a sábado, às 20h30, domingos, às18h30. Ingressos – R$ 16,00 (inteira); R$ 8,00 (usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino); R$ 4,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes). Capacidade – 150 lugares. Telefone para informações: (11) 3871-7700. Não temos estacionamento. Para informações sobre outras programações ligue 0800-118220 ou acesse o portal www.sescsp.org.brFuncionamento da bilheteria do SESC Pompeia – de terça a sábado, das 9h às 21h e aos domingos, das 9h às 19h. Aceitam-se cheque, cartões de crédito (Visa, Mastercard, Diners Club International e American Express) e débito (Visa Electron, Mastercard Electronic, Maestro, Redeshop e Cheque Eletrônico).

Para solicitação de credenciamento jornalístico e cortesias, o contato pode ser feito no setor de Comunicação do SESC Pompeia, com Roberta Della Noce ou Marina Pereira, no telefone (11) 3871-7740 ou emails: roberta@pompeia.sescsp.org.br e mclaudia@pompeia.sescsp.org.br.

 

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